Ariramba, terra produtiva

Texto: Giovanna Consentini Fotos: Fernanda Frazão
2 de maio de 2019

Na comunidade, a agricultura familiar e a preservação da floresta fazem parte do cotidiano quilombola

Seu Joaquim conhece a floresta como ninguém. Aos 84 anos, se embrenha sozinho no mato “sem picada sem nada”, se precisar de ajuda bate no tronco da samaúma para chamar seus companheiros. Medo de onça? Não tem, mas confessa que o assobio da curupira mexe com qualquer homem. Diz a lenda que ela é a protetora das florestas e não gosta nada de quem danifica seu habitat.

Se esses dois se encontrassem pelos caminhos da selva Amazônica com certeza teriam muito papo para trocar: não é de hoje que aquelas terras sofrem com a ação de madeireiros e caçadores ilegais. Mas, assim como a curupira, seu Joaquim também entende de defesa do território. Quilombola da comunidade do Ariramba, ele e a família lutaram por cerca de 23 anos para garantir seus direitos fundamentais e, em 2018, a comunidade passou a ser oficialmente dona de suas terras, realidade ainda distante da maioria da população quilombola do país.

Localizado entre o os municípios de Oriximiná e Óbidos, no Pará, o território quilombola do Ariramba tem uma área de 12.496 hectares onde vivem cerca de 27 famílias remanescentes dos quilombos da região. A maioria é parente do seu Joaquim e de dona Tereza dos Santos Oliveira (falecida), os primeiros moradores e fundadores da comunidade às margens do igarapé do Ariramba, lá na década de 1970. Segundo seu Joaquim, o pai do Ariramba, como é conhecido, a relação com aquela terra vem de antes de nascer.  “Eu fui feito aqui nas margens do Ariramba”.

Joaquim dos Santos Oliveira, o "pai do Ariramba"

O igarapé que dá nome ao território e onde Joaquim foi “feito”  é um dos cursos de água que delimitam o quilombo, e também o único meio acesso a ele. Dali que vem o tucunaré, o pacu, o tambaqui e muitos peixes que enchem as mesas da comunidade. Além da pesca, a agricultura e o extrativismo garantem a alimentação e a geração de renda à maioria das famílias. Na floresta, há espécies nativas de frutas como açaí, patauá, bacaba e cupuí. E da roça vem abacaxi, banana, milho, melancia, feijão, arroz, mandioca, batata e cará. Tudo sem agrotóxicos!

Para seu Joaquim, fazer roça também faz parte da cultura e tradição quilombola. Segundo ele os roçados dos seus antepassados, que chegaram à região do rio Erepecuru fugidos da escravidão, estão de pé até hoje.

E a sabedoria da lida com a terra é passada de geração para geração.  É assim para Gervasio, 57, filho de Joaquim e liderança quilombola do Ariramba. “Eu aprendi com meu pai. A partir dos 4 anos eu já andava para a roça com ele. Eu dava conta de amontoar uma mandioca, já ia adiantando alguma coisa. Aprendi fazendo”, conta.



“A gente fica muito feliz por estar aparecendo numa feira, mostrando nosso produto e que o quilombola não é preguiçoso como dizem”

Gervasio dos Santos Oliveira, 57 anos,  liderança da comunidade do Ariramba

Hoje, os produtos da roça de seu Gervasio e dos moradores do Ariramba fazem sucesso nas feiras e mercados locais, como os da cidade de Oriximiná. A farinha de mandioca é o item mais disputado. Ela é fabricada com mandioca plantada na comunidade. Tudo começa com um puxirum, o mutirão quilombola onde toda a comunidade ajuda a preparar o roçado de uma família. Homens e mulheres se reúnem para capinar, limpar o terreno e a plantar a próxima safra. A colheita vem depois de um ano. A partir daí a mandioca vai ser processada na casa de farinha, local que é um verdadeiro símbolo de comunhão para os moradores do Ariramba. Mesmo sendo de propriedade privada, todos podem trabalhar e zelar por ela.

 

Além da farinha, a mandioca também resulta em uma série de alimentos que fazem parte da culinária e da cultura quilombolas há séculos. Tem beiju, tucupi, tapioca, farinha de tapioca, carimã e cruera. É mesmo uma “maravilha de produtos”, como diz Gervásio. “A gente fica muito feliz por estar aparecendo numa feira, mostrando nosso produto e que o negro quilombola não é preguiçoso como dizem”, desabafa.

Mas ainda há dificuldades para escoar esses alimentos, por conta do ciclo das águas do rio, que secam completamente no verão amazônico. Muitas famílias acabam entregando suas produções nas mãos de atravessadores que pagam preços muito baixos, o que vem desestimulando a comunidade. O próximo passo depois da titulação, segundo Gervasio, é organizar os agricultores em torno de uma cooperativa para que toda comunidade seja valorizada pelo trabalho que faz tão bem.

 

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